O aumento de ações contra pessoas que abortam e a guerra do dendê no Pará
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O Brasil vive um aumento de processos judiciais contra pessoas que abortam. Nos cinco primeiros meses de 2023, foram 208 processos por abortos praticados pela gestante. Já no ano todo de 2022, foram 464, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A revista AzMina revela que os dados expõem a violação de algo previsto no Código Penal: o sigilo médico. Numa análise de 43 processos desse tipo, entre 2017 e 2019, a Universidade Federal do Paraná mostrou que, em 44% deles, as mulheres foram processadas por causa de denúncias feitas por profissionais de saúde. Em 65% dos casos, os prontuários foram compartilhados com a polícia sem o consentimento da paciente. Os médicos poderiam ser punidos por violar o sigilo, mas as mulheres, quase sempre em situação de vulnerabilidade, nem sequer sabem de seus direitos e acabam presas ou condenadas a pagar multas.
🔸 “Inconstitucional, inaplicável, não deveria nem existir uma proposta como essa no Congresso Nacional, que se diz a casa do povo.” A afirmação sobre o Marco Temporal é de Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Aprovado na Câmara, entra agora na pauta do Senado o projeto de lei que estabelece 5 de outubro de 1988 como data em que os indígenas deveriam estar ocupando suas terras para que elas sejam demarcadas. Mas não se trata “apenas” disso, como afirmam especialistas ouvidos pela Agência Pública. A proposta, por exemplo, proíbe a ampliação de terras já demarcadas e relativiza o usufruto exclusivo dos indígenas. A reportagem lista ao todo dez pontos polêmicos do projeto.
🔸 O Conselho Nacional de Saúde reconheceu espaços religiosos de matriz africana como locais de cura e como complementares ao Sistema Único de Saúde (SUS). Numa portaria com 59 propostas para a saúde pública do Brasil, os terreiros foram definidos como “a primeira porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social e alimentar”. O Notícia Preta traz a íntegra do tópico sobre o tema e destaca que a resolução trata ainda de temas como a legalização do aborto e a descriminalização da maconha.
🔸 A Câmara votou ontem pautas relacionadas à educação. Um deles é o projeto de lei que cria mecanismos de transparência pública e controle social na área. Segundo o texto, os governos deverão tornar públicas na internet informações sobre os sistemas federal, estaduais e municipais de ensino. O Congresso em Foco informa que os parlamentares também aprovaram um requerimento para que o Fundo Nacional de Assistência ao Estudante de Nível Superior (Funaes) tramite em regime de urgência. A proposta quer garantir as condições de permanência e conclusão dos estudantes na educação superior pública federal.
📮 Outras histórias
No Nordeste, a cada dez quilombolas apenas um vive em território delimitado. Contada pela primeira vez no Censo de 2022, a população quilombola está concentrada principalmente nos estados nordestinos. A Agência Tatu analisa os dados do IBGE, mostra que só Maranhão e Bahia têm a metade dos quilombolas do Brasil e conta que, entre os estados da região, Alagoas é o que menos tem quilombolas nos territórios delimitados. Cientista social e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) da Universidade Federal de Alagoas, Vagner Gomes Bijagó, diz que “o simples fato de se incluir a população quilombola no censo, não significa uma reparação”. Segundo ele, “a ausência contínua do Estado brasileiro evidencia a dificuldade de reconhecimento dessas comunidades”.
📌 Investigação
Reincidência de casos de resgate de pessoas em trabalho análogo à escravidão têm sido frequentes no Maranhão, principal estado de origem de pessoas resgatadas no Brasil – são de lá mais de 9 mil dos 61.711 trabalhadores encontrados nessas condições desde 1995. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego, obtidos via Lei de Acesso à Informação, indicam que, assim como os trabalhadores retornam à vulnerabilidade, as empresas voltam a cometer as violações. De 1997 a 2023, ao menos 228 estabelecimentos foram flagrados mais de uma vez com práticas de trabalho escravo. Numa investigação feita ao longo de três meses, O Joio e O Trigo explora os dados e também as dificuldades de trabalhadores que tentam se reinserir no mercado. Parte dos maranhenses entrevistados ainda não foram indenizados e sobrevivem de serviços esporádicos nas cidades onde vivem.
🍂 Meio ambiente
O Ministério Público Federal recomendou o envio da Força Nacional à “guerra do dendê” no Pará. O confronto é conhecido por envolver conflitos territoriais entre indígenas, quilombolas e uma empresa produtora de óleo. Denúncias apresentadas anteriormente apontam que o grupo BBF mantém fazendas de dendezais em área de sobreposição às Terras Indígenas Turé-Mariquita. Mas o Eco explica que, nos últimos dias, a situação se agravou. No início deste mês, o indígena Kauã Tembé foi alvejado por tiro no momento em que estava na ocupação da Aldeia Bananal, zona rural do município de Tomé-Açu. Por isso, o MPF enviou uma recomendação ao Ministro da Justiça na última terça-feira. Flávio Dino tem até 48 horas para autorizar o envio de tropas.
A retomada do Programa Cisternas renova esperanças de moradores do semiárido. Lançado há 20 anos, no primeiro mandato do presidente Lula, o projeto disponibilizou mais de 900 mil cisternas para a população, mas foi interrompido no começo do governo Bolsonaro. Há duas semanas, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome anunciou a retomada do programa, que agora pretende atingir mais de 60 mil famílias. O Projeto Colabora mostra o impacto das cisternas para moradores do Distrito de Massaroca, em Juazeiro, no Semiárido baiano. A reportagem indica que há uma demanda de cerca de 350 mil cisternas para captação e armazenamento de água entre os estados da Bahia, Piauí e Pernambuco.
📙 Cultura
Foi na ditadura que a canção nacional mais se ocupou de falar sobre política, em constante embate com a censura. Esta é a percepção de Ricardo Cravo Albin, de 69 anos, um dos maiores pesquisadores da história da música popular brasileira. Em conversa com a Escotilha, ele destaca também o papel do samba no diálogo com a realidade: “Embora o auge da canção política tenha sido durante a ditadura, a música popular brasileira sempre refletiu de alguma forma o que estava acontecendo no país desde Sinhô (1888-1930), nome artístico do compositor José Barbosa da Silva, um dos precursores do samba”. A reportagem sinaliza o viés de crítica social de inúmeros artistas ao longo da história da música nacional e também enfatiza a marca da individualidade e da busca pela poética do eu nas composições.
Sem a romantização da maternidade, Ana Carolina Schmidt Ferrão estuda como as mães são retratadas nos livros. Em sua tese de doutorado, “A Putrefação das Flores: A Maternidade na Literatura Brasileira Contemporânea”, ela analisa obras como "Quarto de Despejo", da Carolina Maria de Jesus, "Uma Duas", de Eliane Brum, "O Peso do Pássaro Morto", de Aline Bei. O Nonada detalha o processo da pesquisadora ao descobrir uma gravidez durante o primeiro semestre do doutorado. Sua trajetória foi inevitavelmente atravessada pela maternidade e passou a estudar como as autoras brasileiras quebram a representação romantizada do maternar: “Eu diria que a literatura brasileira contemporânea escrita por mulheres pensa e contesta as amarras e as máscaras imputadas às mães”.
🎧 Podcast
Mais de 80% dos brasileiros concordam que o Brasil é um país racista, mas apenas 11% reconhecem práticas racistas no seu comportamento ou nos espaços onde circulam. Os dados são da pesquisa “Percepções sobre o Racismo no Brasil”, realizada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e o Projeto Seta. No episódio do "Papo Preto", produção da Alma Preta, a apresentadora Stela Diogo e o cientista político Márcio Black debatem não o reconhecimento do racismo como crime no país e os obstáculos para impedi-lo de ser praticado. Eles destacam a necessidade de inserir o tema nas escolas como forma de prevenir e combater esse crime.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“Quando era criança, tinha certeza de que não valia a pena viver se não conhecêssemos o amor.” Esta é uma citação do livro de bell hook, "Tudo Sobre Amor". É com base nele que Amanda Stabile escreve a coluna “Solteirice: Liberdade ou Solidão?” para o Nós, Mulheres da Periferia. Abrindo suas vivências pessoais ao leitor, ela descreve como sua concepção de amor foi plantada na infância a partir da ideia de que viveria um romance e não estaria sozinha. Mas, depois de 20 anos de vida em “carreira solo”, como define, Amanda defende que estar solteira é muito melhor do que se relacionar com alguém apenas por um título. Ela questiona se as mulheres deveriam insistir em relacionamentos insustentáveis como busca pelo amor da vida.