O impacto de uma ação da PM no Rio e o direito ao nome étnico
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 No início da manhã de ontem, três trabalhadores morreram na avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Foram atingidos na cabeça por disparos em meio a uma operação policial no Complexo de Israel, zona norte da capital. Paulo Roberto de Souza, 60 anos, e Renato Oliveira, 48 anos, estavam no ônibus da linha 493B. Geneilson Eustáquio Ribeiro, de 49 anos, estava num caminhão. O Fogo Cruzado informa que este foi o 86º tiroteio registrado no entorno de vias expressas do Grande Rio em 2024. Seis pessoas foram baleadas, 35 linhas de ônibus precisaram alterar a rota e 14 escolas foram fechadas na região. “A gente sai para trabalhar e não sabe se vai voltar pra casa. Ele [Renato] ia fazer um café da manhã no trabalho, estava levando refrigerante e mortadela. Ficou tudo dentro do ônibus. Foi embora, acabou. A vida da gente é assim. É num piscar de olhos”, disse, aos prantos, Adonias Claudio dos Santos, que viu o amigo ser morto no tiroteio.
🔸 Durante duas horas, a avenida Brasil ficou fechada. Ao som de tiros, muitos motoristas se abrigaram nas muretas que separam os dois lados da via, encolhidos ou deitados no chão. O Voz das Comunidades mostra a cena, com motos e carros abandonados no meio da via pelos passageiros e motoristas que tentavam fugir do fogo cruzado.
🔸 Em São Paulo, famílias são alvo de remoção forçada na região da Cracolândia. Sob o argumento de que era preciso combater o tráfico e prender lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho, a última do centro da cidade, quadras inteiras foram lacradas. Elas, na verdade, já tinham outro destino. Os imóveis ali serão demolidos para a construção de um novo complexo administrativo estadual, parte de uma Parceria Público-Privada (PPP) que enfrenta críticas por especulação imobiliária e falta de diálogo com os moradores. Ao custo de R$ 4 bilhões, o projeto pretende “requalificar” a área. Por cinco meses, o Intercept Brasil acompanhou a rotina de quem vive na região e conta que cerca de 800 pessoas serão despejadas, sem garantia de moradia imediata. A população local, em sua maioria negra e de baixa renda, denuncia o preconceito, enquanto movimentos sociais e urbanistas condenam a exclusão dos moradores no processo e apontam a criminalização da pobreza como consequência das operações.
🔸 Em Belém, o negacionismo climático marca a disputa pela prefeitura da cidade que será sede da COP30 em 2025. O Aos Fatos detalha a retórica dos candidatos Delegado Éder Mauro (PL) e Igor Normando (MDB). O primeiro é conhecido por minimizar a responsabilidade humana no aquecimento global e defender o garimpo. Se agora tenta suavizar o discurso para se qualificar como anfitrião da conferência do clima, seu histórico é de desinformação, incluindo acusações a ONGs de causar queimadas e a defesa do garimpo de “baixo custo”. Já seu oponente, Igor Normando (MDB), apresenta-se como pró-meio ambiente, mas minimizou o impacto ambiental de uma obra que cortará áreas de proteção.
🔸 “Feminista não sabe falar e ler” ou “feminista quis lacrar e foi tratorada” são exemplos de frases do vereador mais votado de São Paulo. Lucas Pavanato (PL), de 26 anos, é conhecido por publicações de teor LGBTfóbico e sexista. Durante a campanha, publicou 28 vídeos com conteúdo transfóbico e machista, alguns com mais de 1 milhão de visualizações. Segundo a Lupa, sua conta no TikTok foi suspensa pela Justiça, mas sua defesa argumenta que ele é vítima de censura por ser conservador. Pavanato também criticou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes, incitando a população contra decisões do tribunal, especialmente sobre o bloqueio do X (antigo Twitter).
📮 Outras histórias
Há nove anos, Ana Olívia começou a ensinar yoga na Maré, em diferentes comunidades que compõem o complexo de favelas na zona norte do Rio de Janeiro. Depois, fundou o Instituto Yoga na Maré, então na Nova Holanda. Em seguida, fez uma campanha de financiamento coletivo, e deu um passo a mais no projeto: no último domingo, inaugurou uma sede nova, agora na Baixa do Sapateiro, com mais espaço e, portanto, mais atividades. O Maré de Notícias conta que, além das aulas de yoga, o instituto oferece práticas de saúde integrativas, como ayurveda e medicina tradicional chinesa. Na inauguração, o instituto promoveu oficinas e meditação. “Emocionante, chorei na meditação, pois é uma vitória essa construção. Estamos em festa, pois o projeto mudou muita coisa na minha vida. Comecei em 2017 e percebo a melhora na autoestima e o fim do transtorno alimentar. A partir do yoga, superei as doenças na minha vida”, afirmou Giselle Rodrigues, 31 anos.
📌 Investigação
Wajã Xipai mergulhou no rio para entender, direto na fonte, o motivo da mudança no tom das águas. Os Xipai têm uma relação íntima com o rio Iriri – o maior do município de Altamira, no sudoeste do Pará – há muito tempo e, por isso, reconhecem quando tem algo de errado com ele. A água esverdeada e a morte de peixes fizeram com que Wajã Xipai se aprofundasse na história do rio e de seu povo. O que conseguiu elaborar sobre os efeitos da mudança climática no Iriri, ela descreveu à Sumaúma em detalhes. Entre outros membros, conversou com Biupa Xipai, o vice-cacique da Aldeia Tukamã, que fica cerca de 600 m da beira do rio: “De junho em diante, a água vai ficando verde. [A partir daí] Nós não temos mais água original”, contou Biupa. “Mudou muito de uns cinco anos pra cá, a água está diferente mesmo. Também tem a mudança do clima, nós estamos em julho, mas [por causa do calor] parece que estamos no mês de agosto”, acrescentou o vice-cacique.
🍂 Meio ambiente
O maior tatu-canastra já registrado em 14 anos tem 1,60 m e pesa 36 kg. No início do mês, pesquisadores do Projeto Tatu-Canastra, do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), encontraram no Pantanal um Priodontes maximus, a maior de todas as espécies de tatus existentes no Brasil e na América Latina. A Conexão Planeta detalha a descoberta que atualiza diversas informações sobre a espécie e sua reprodução, considerando que o conhecimento sobre o tatu-canastra ainda é bastante limitado. Além de raro – classificado como vulnerável na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) –, não há indivíduos em cativeiro, o que torna as descobertas recentes ainda mais valiosas. “A validação dessas técnicas para monitoramento da reprodução em vida livre pode contribuir significativamente para a conservação desses gigantes da nossa fauna”, destaca Camila Luba, médica veterinária e pesquisadora associada do ICAS.
📙 Cultura
Em sua terceira obra literária, “Nossa História do Brasil: Pindorama em Poesia”, Bell Puã narra a história do Brasil e resgata resgata memórias dos antepassados que vieram da África. A escritora, poeta, compositora, cantora e mestra em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) expõe em poemas o resultado de uma pesquisa historiográfica sobre a trajetória do povos negro e indígena. A autora explica ao Negrê suas inspirações e conta suas expectativas com o lançamento: “Este livro é um convite para conhecer uma história do Brasil com uma narrativa que foge aos estereótipos da história contada pela perspectiva eurocêntrica, tanto no conteúdo como na escrita. A obra propõe honrar a trajetória das quitandeiras, de líderes originários, sendo a história dos povos originários e afrobrasileiro a partir do ponto de vista de uma mulher, negra e intelectual pernambucana e cafuza.”
🎧 Podcast
Entre ciência, autoajuda e religião, o coaching se vale da promessa de mudar a realidade das pessoas com o poder da mente. De riqueza à cura de doenças, os coaches se apoiam em teorias diversas baseadas em pseudociência. O primeiro episódio da sexta temporada do “Ciência Suja”, produção da NAV Reportagens, mergulha nas teorias defendidas por eles, na história dos coaches quânticos e nos argumentos para vender treinos e palestras. “Eles acabam reinventando a roda, colocando termos diferentes para falar de uma mesma coisa, que faz sentido e que já é proposto em outras linhas da psicologia. Acabam trazendo também ideias que são totalmente absurdas, e práticas ou intervenções, que carecem de evidências”, afirma Daniel Gontijo, psicólogo e doutor em neurociências.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Anapuru celebra o direito ao nome étnico no registro civil. Em artigo para o Nonada, Gleydson de Castro Oliveira Anapuru, popularmente conhecido como Lucca Anapuru Muypurá, fala sobre o reconhecimento da identidade e seu pertencimento como indígena. Natural de Chapadinha (MA), Lucca – liderança do povo Anapuru Muypurá, educador e artivista – conquistou em abril deste ano o direito de ter o nome do seu povo em seus documentos pessoais. Ao longo dos séculos, a cultura ancestral dos Anapuru foi sendo reprimida e, por imposição, tiveram que adotar nomes não-indígenas. “A retomada do nome-memória Anapuru nos registros civis é um movimento de reparação histórica, de resistência e de reconhecimento da nossa identidade e ancestralidade que tanto tentaram (e tentam) nos negar”, afirma Anapuru.