O aborto na reforma do Código Civil e os assassinos de Rubens Paiva
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🔸 O ministro da Comunicação, Juscelino Filho, pediu demissão ontem depois de ser alvo de uma denúncia por desvio de emendas parlamentares quando era deputado federal. O caso, que tramita no Supremo Tribunal Federal sob relatoria de Flávio Dino, envolve recursos destinados a obras de pavimentação em Vitorino Freire (MA), cidade governada por sua irmã. A CartaCapital conta que o União Brasil, partido do ex-ministro, preparou seu sucessor antes mesmo de ele pedir demissão. O indicado do Centrão é o deputado Pedro Lucas Fernandes (MA), mas a decisão final cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
🔸 Lula, por sua vez, enfrenta uma crise de popularidade. E o preço do ovo entrou no jogo político nacional. “Uns dizem que é o calor, outros dizem que é a exportação, e eu estou atrás”, afirmou o presidente em um de seus discursos. A Agência Pública traça um panorama do problema e mostra que a exportação de ovos para os Estados Unidos aumentou 93% em fevereiro em relação ao mesmo mês de 2024, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Por aqui, o preço dos ovos subiu 18,7%. A combinação de inflação, demanda internacional e mudanças climáticas afetando a produção (reduzida em até 10% pelo calor intenso) criou um cenário de escassez relativa. “É uma coisa que pesa no bolso e no estômago. Isso toca, e tem uma capacidade de mobilizar a classe política e todo mundo”, afirma o cientista político André Pereira César.
🔸 Em debate no Congresso, o projeto de reforma do Código Civil tem gerado críticas por parte de especialistas que alertam para retrocessos nos direitos reprodutivos e risco à laicidade do Estado. Um dos pontos polêmicos é a inclusão de direitos de personalidade ao nascituro (embriões e fetos), o que pode abrir brechas legais para restringir o acesso ao aborto mesmo nos casos já previstos em lei, como estupro ou risco de vida para a gestante. O Nós, Mulheres da Periferia conversa com especialistas sobre a eventual aprovação do projeto e seu impacto para os direitos reprodutivos. “Essa proposta de mudança reduz as pessoas que gestam a um ‘meio’ para a existência do embrião, o que fere profundamente o conceito de dignidade humana”, afirma Laura Molinari, uma das fundadoras e diretora da campanha Nem Presa Nem Morta, que defende o direito ao aborto. O projeto ainda incorpora conceitos religiosos, como a ideia de que a vida começa na concepção, o que contraria princípios constitucionais do Estado laico e parâmetros científicos adotados pelo SUS e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
🔸 “A mulher que se torna mãe é um indivíduo que vai ter mais dificuldade em desenvolver trabalhos, desenvolver pesquisa, em ingressar no mercado de trabalho.” Ana Paula Dahlke experimenta o problema no próprio cotidiano: “Todo o período do meu doutorado foi atravessado pela presença do meu filho”, diz ela, doutora em Educação Física e integrante do coletivo Mães da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mesmo com avanços legais, como a Lei 14.925/2024, que garante prorrogação de prazos acadêmicos por 180 dias em razão da maternidade, o Sul21 mostra que mães universitárias ainda enfrentam exclusão e invisibilidade nas universidades brasileiras. O coletivo Mães da UFRGS denuncia a ausência de dados sobre estudantes-mães, o fechamento da creche da universidade e a exclusão de alunas da Casa do Estudante. Projetos como o Parent in Science expõem como a maternidade afeta desproporcionalmente a carreira de mulheres na ciência.
🔸 “Garantir mais mulheres em posições de liderança é não apenas uma questão de justiça social como também uma estratégia para fortalecer a economia e a governança do país”, escrevem Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, e Alexandra Segantin, CEO do Grupo Mulheres do Brasil. Em artigo no Nexo, elas destacam que a presença de mulheres no setor público melhora a formulação de políticas. No setor privado, a maior participação feminina em cargos de liderança amplia o desempenho financeiro e agrega mais inovação. Elas lembram que o projeto de lei nº 1.246/2021, que aguarda votação no Senado, propõe uma cota mínima de 30% de mulheres nos conselhos de administração de empresas estatais e sociedades de economia mista.
📮 Outras histórias
O sistema de abastecimento de água e as casas de bombas de Porto Alegre colapsaram por falta de energia elétrica no dia 31 de março. Apenas uma estação de tratamento de água seguiu operando. Mesmo com geradores, muitas casas de bombas não funcionaram devido a defeitos ou danos nas estruturas, agravando alagamentos em bairros como Cidade Baixa e Sarandi. O Matinal apurou que a prefeitura teria priorizado o restabelecimento da energia nas casas de bombas, em detrimento do abastecimento de água, deixando comunidades como Restinga, Sarandi, Ilhas e hospitais dependentes de caminhões-pipa até o dia 3 de abril.
📌 Investigação
Cinco militares envolvidos no assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, em 1971, foram promovidos tanto antes quanto depois de sua morte. Na newsletter “Don’t LAI To Me”, a Fiquem Sabendo revela informações inéditas sobre o caso, com as fichas funcionais de cinco oficiais mencionados no relatório da Comissão Nacional da Verdade: Freddie Perdigão Pereira, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf, Rubem Paim Sampaio e Jacy Ochsendorf. À exceção dos dois últimos, os demais receberam referências elogiosas formais em suas fichas funcionais ao longo da carreira após a morte do ex-deputado. Com exceção de Rubem, todos foram promovidos mais de uma vez, e, posteriormente, todos passaram para a reserva. Há outros dois militares cujos documentos detalhados ainda não foram abertos pelo Exército: Antônio Fernando Hughes de Carvalho, apontado como o responsável pelas torturas, e José Antônio Nogueira Belham, à época comandante do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
🍂 Meio ambiente
Desde a instalação do Complexo Energético do Juruena, em 2007, o povo Enawene Nawe, do noroeste de Mato Grosso, não tem acesso suficiente aos peixes, necessários para a alimentação e rituais sagrados. O conjunto é composto por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) pertencentes a duas gigantes do agronegócio – a Bom Futuro e a Amaggi. O Le Monde Diplomatique Brasil conta que há alguns anos os indígenas recorrem à compra de peixes. No entanto, segundo as lideranças, as entidades espirituais ficam descontentes com o fato de as oferendas não serem mais pescadas nos rios da região. Além do aspecto sagrado, o custo do peixe é incompatível com a renda da comunidade. A compensação financeira recebida pelos impactos da hidrelétrica tem sido insuficiente até mesmo para garantir a quantidade de peixe necessária.
📙 Cultura
“A partir do momento que você estimula a educação, a literatura, a escrita, o desenvolvimento de uma mulher, de uma menina, você consegue libertar toda uma geração”, afirma Edivanda de Jesus da Silva, a Vandinha, professora e pesquisadora de educação antirracista, que acredita na leitura e na escrita como força transformadora. O Coreto reúne a história de quatro mulheres negras que encontraram um espaço de voz e identidade na literatura. Por meio da escrita, elas exercitam o autoconhecimento e se abrem a novas possibilidades. “Eu achava que o que eu escrevia seria importante só para mim, porque eu estava meio que desabafando um pouco do que eu estava sentindo, colocando no papel”, conta a escritora e poetisa Rabesh Lima, do coletivo Mandacaru Quando Floresce. Ela teve suas poesias publicadas em um livro junto com outras mulheres de Poções (BA) e sentiu pela primeira vez que seus poemas poderiam impactar outras pessoas.
🎧 Podcast
Uma das autoras brasileiras mais importantes, Conceição Evaristo cunhou o termo “escrevivência”, conceito chave para a luta política das mulheres negras e para a formação das novas gerações de escritoras negras. No “Escute As Mais Velhas”, produção da Rádio Novelo, Evaristo revisita sua trajetória de mãe, professora e escritora e reflete a presença da cultura negra na literatura brasileira com a importância de ocupar espaços de narrativa para construir novas realidades, resgatando a força da ancestralidade. “Tem uma falta na vida do povo negro que é irrecuperável, que, pra mim, tem a ver com a perda da origem. Isso está no nosso inconsciente coletivo, algo que a gente não sabe definir. Não é nada hereditário, genético. É alguma coisa como se fosse um elo perdido.”
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“O feminismo é um movimento de emancipação atravessado pelo anticapitalismo e com um projeto de igualdade radical. É uma força política com capacidade de mobilização global que propõe alternativas à concentração de capital, à plutocracia, ao extrativismo dos nossos recursos naturais. Os feminismos têm uma resposta para todas essas ações que arrasam nossas vidas. A extrema direita entende isso perfeitamente”, afirma a ativista Vanina Escales, uma das idealizadoras do movimento Ni Una Menos, que mobilizou a sociedade contra os feminicídios. Em entrevista à Gênero e Número, ela fala sobre a ascensão da extrema direita na Argentina, com o governo de Javier Milei, dentro de um movimento mundial “com discursos antifeministas, contrários aos direitos sexuais e reprodutivos, de ataque à população LGBTQIA+” por meio de “espaços de formação de jovens ideólogos que levantam as bandeiras dos velhos discursos de ultradireita e colocam uma roupagem 2.0, com um desempenho invejável nas redes sociais”.