O 1º plano de abastecimento alimentar do país e a poesia de Txai Suruí
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 “Estamos em sério perigo.” A afirmação é de Wellington Santos Pacífico, neto de Mãe Bernardete, liderança quilombola assassinada a tiros em agosto de 2023 por dois homens que invadiram sua casa. Aos 23 anos, ele também é uma liderança na comunidade de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Bahia. Foi convidado a falar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York pela relatora especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor. A Agência Pública lembra que, antes de perder a avó, o jovem já havia perdido o pai – Flávio Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, de 36 anos – assassinado perto de casa com 16 tiros, em 2017. Desde então, Mãe Bernardete passou a fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). “Ela continuou exercendo a liderança sem meu pai. Mas, desta vez, ela estava contando com essa proteção e se sentiu segura. Infelizmente, esse sentimento foi apenas um erro”, disse o neto dela, na sede da ONU. “O Estado falhou novamente e continua falhando sem fornecer reparações adequadas para nossa família e quilombo. Ainda somos economicamente e socialmente vulneráveis”, completou.
🔸 O governo lançou nesta semana o primeiro Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato) e também a terceira edição do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). “A gente é capaz de produzir muito mais alimento do que a gente consome, mas muito se perde. Podemos dizer que existe seca ou excesso de chuva. Mas a única coisa que justifica a fome é a irresponsabilidade de quem governa”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no lançamento. O Joio e o Trigo detalha como funcionam os planos, que incluem 29 iniciativas e 92 ações estratégicas para criar um sistema de abastecimento alimentar estruturado. O foco é na diversificação da oferta de alimentos, especialmente os da cesta básica, e na redução de desertos e pântanos alimentares.
🔸 A propósito: o Plano de Agroecologia deveria ter sido lançado antes, mas foi adiado quatro vezes por pressão do Ministério da Agricultura, que não aceitava a menção à redução dos agrotóxicos. É o que afirma à Marco Zero Paulo Petersen, coordenador-executivo da ONG AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia. “O programa de redução de agrotóxicos não é uma proposta radical, que veta os venenos de uma vez por todas, nada disso. Seria um programa que contribuiria de imediato com o agronegócio que poderia produzir com menos contaminantes e a preços mais baixos ao utilizar inovações de base agroecológica já disponíveis, mas que estão bloqueadas pela pressão das indústrias de agrotóxicos para que elas continuem lucrando”, explica o agrônomo e doutor em Estudos Ambientais.
🔸 Criado para reduzir desigualdades, o Orçamento Sensível a Gênero (OSG) ainda engatinha no Brasil. Apesar de ter sido introduzido nos anos 2000, não foi institucionalizado no âmbito federal e é pouco adotado nas capitais. A Gênero e Número destrincha a aplicação do OSG em Recife (PE) e Belo Horizonte (MG), pioneiras no planejamento de gastos públicos com perspectiva de gênero, e em Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Manaus (AM). Em Recife, a medida foi implementada no Plano Plurianual de 2001-2004, e a cidade criou medidas como uma creche itinerante para mães participarem de encontros sobre orçamento municipal. “Existem políticas que visam reduzir a desigualdade de gênero, mas isso não necessariamente inclui um orçamento sensível a gênero. Não basta olhar uma parte do orçamento, é preciso olhar como todos os tipos de gastos e tributações vão afetar a desigualdade”, afirma Clara Brenck, pesquisadora do Made - Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, sediado na USP.
📮 Outras histórias
Não há sinal de água nas torneiras de Três Lagoas do Piraca, povoado no município de São Raimundo do Doca Bezerra, no Maranhão. Há mais de três meses sem abastecimento regular de água, centenas de moradores precisam buscar alternativas, como lavar roupas em cidades vizinhas ou até mesmo comprar água por meio de um comércio clandestino – são R$ 50 a cada mil litros de água retirada de poços particulares. A Coar Notícias revela que os poços locais, de responsabilidade da prefeitura, têm problemas técnicos e fornecem água de baixa qualidade, além de insuficiente. “Minha esposa e minha filha vão pegar água no povoado Cajazeira II [distrito a 14 quilômetros de distância]. E aí de oito em oito dias é a lavação de roupa. Porque não tem água suficiente para quase nada. O prefeito mandou cavar um poço novo, que era pra ter uns 400 metros de profundidade, mas não chega nem a 200 metros. E a água é ruim e pouca. Muito pouco mesmo”, conta um morador que pediu para não se identificar.
📌 Investigação
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil) comprou terreno de empresa envolvida na Lava Jato. O vereador também é sócio da construtora Neumax e, em 2010, adquiriu o lote de 743 mil metros quadrados na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo. Segundo levantamento da Alma Preta, o montante pago pelo loteamento foi de R$ 3,1 milhões, quantia menor do que a metade do chamado valor venal, de R$ 6,7 milhões. A Neumax adquiriu o lote da Construbase, empresa denunciada na Operação Lava Jato. O imóvel comprado por Milton Leite transformou-se no Jardim Nathália, um loteamento com 2.045 casas, incluindo moradias de diferentes padrões, que, segundo estimativas de imobiliárias da região, podem gerar cerca de R$ 300 milhões para a Neumax.
🍂 Meio ambiente
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) manifestou oposição às indicações de novos representantes indígenas da comissão do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). O Eco conta que, segundo a organização, os nomes indicados pelo Ministério dos Povos Indígenas “fazem parte do quadro de servidores de órgãos governamentais” e, por isso, “não estarão lá em nome do movimento indígena”. A comissão de conciliação sobre a lei do Marco Temporal foi comandada pelo ministro Gilmar Mendes, que determinou a substituição dos membros anteriormente indicados pela Apib. Estes, por sua vez, deixaram a comissão em protesto. No despacho, o magistrado acusou “alguns representantes” de atuar “estritamente sob o ângulo político” e afirmou que “os interesses dos indígenas não podem ser monopolizados por quem não se mostrou aberto ao diálogo”.
📙 Cultura
Txai Suruí exalta a cultura do lugar onde vive e cresceu por meio da poesia, como uma ferramenta a favor da luta dos povos originários. O Le Monde Diplomatique Brasil lembra que a jovem começou a ser reconhecida durante a Conferência da Cúpula do Clima (COP 26) ao trazer à tona a problemática do avanço das mudanças climáticas na Amazônia. Txai nasceu em Rondônia, tem 27 anos e faz parte dos povos Suruí. Além de ativista, também escreve – com o livro de estreia “Canção do Amor”, foi uma das convidadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano. O título da obra é inspirado na cultura de seu povo: “A gente canta muito. Em qualquer tipo de situação, é um momento importante (...). Assim vamos criando as nossas histórias através de canções, que também são poesias. Eu considero o livro uma canção também. Através dos poemas, estou contando essa história de amor: minha para o meu amor”.
🎧 Podcast
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um pacote de propostas que limita os poderes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Todas as propostas foram aprovadas com ampla maioria. Incluem medidas como a restrição de decisões monocráticas, a criação de crimes de responsabilidade para os magistrados da Corte e até a possibilidade de o Congresso sustar decisões que avancem sobre as competências do STF. O “Sem Precedentes”, produção do Jota, discute a constitucionalidade dos textos e o impacto deles no cenário político e jurídico do Brasil. “Existe um contexto de críticas ao Supremo há muitos anos – e críticas, muitas delas, válidas. O problema é como isso se apresenta no momento. Parece que vem como um ataque ao Supremo sem muita dimensão construtiva”, avalia Juliana Cesario Alvim, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e da Central European University.
✊🏽 Para ler no fim de semana
Palco de crimes como trabalho análogo à escravidão e desmatamento, a fazenda Cabaceiras tomou outra direção quando as terras foram desapropriadas para a reforma agrária em 2008. Localizada em Marabá, no sudeste do Pará, a propriedade de 9.774 hectares é hoje o assentamento 26 de Março, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Lá, vivem 206 famílias e são cultivados alimentos orgânicos, principalmente por meio do sistema de agrofloresta. Na série “Fome de Quê?”, o Intercept Brasil mostra como a reforma agrária transformou o latifúndio escravagista que já abrigou até mesmo um cemitério clandestino. “Os restos mortais eram provavelmente de trabalhadores assassinados. Algumas das ossadas estavam cheias de cordas, como se a pessoa tivesse sido amarrada antes de morrer”, conta Giselda Coelho Pereira, diretora nacional do setor de produção do MST.
VOCÉ AINDA ACREDITA NELES 35 ANOS DEPOIS? QUEM COME PICANHA SÃO ELES