O abandono estrutural em Belém e os 10 anos da Lei do Feminicídio
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🔸 Apesar da queda geral nos homicídios no Brasil entre 2013 e 2023, a redução foi em menor proporção para a população negra, segundo o Atlas da Violência 2025, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2023, a taxa de homicídios de pessoas negras foi de 28,9 por 100 mil habitantes, e 10,6 entre brancos. Isso significa que pessoas negras tiveram 2,7 vezes mais risco de morrer de forma violenta. A Ponte destrincha os dados do documento e destaca que, em números absolutos, foram 35.213 negros assassinados no ano, e 9.908 não negros. A desigualdade racial da violência letal aparece também nos números regionais. Estados como Alagoas e Amapá concentraram as piores discrepâncias: no primeiro, negros correm 47,8 vezes mais risco de morrer do que não negros. “A população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional. Os dados demonstram a permanência de uma estrutura racializada da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios e resiste mesmo em contextos de avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas”, conclui o estudo.
🔸 O Atlas da Violência mostra ainda que os registros de violência contra pessoas com deficiência aumentou 100% entre 2013 e 2023. O salto foi ainda maior para pessoas com deficiência física (174%), visual (131%) e auditiva (149%). Segundo o Notícia Preta, a maioria das vítimas é mulher, e os agressores costumam ser familiares, parceiros ou amigos, dificultando as denúncias. A violência doméstica é a mais comum, com 11.344 casos, especialmente entre pessoas com transtornos mentais. Adolescentes entre 10 e 19 anos são o grupo etário mais afetado. Pesquisadores atribuem o crescimento das notificações a fatores como a maior exposição do problema, melhores canais de denúncia e possível aumento real da violência.
🔸 Cidade com o maior número de favelas e baixadas no Brasil, Belém acelera obras de revitalização para a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30. Enquanto isso, comunidades periféricas denunciam o abandono estrutural desses territórios – alagadiços, sem saneamento básico e alvos de racismo ambiental. A Alma Preta detalha a situação do Residencial Liberdade I e II, na Baixada da Terra Firme. Projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra foi parcialmente entregue em 2017 a cerca de 320 famílias. Mas a maior parte das moradias ficou inacabada, forçando centenas de famílias a ocuparem a área abandonada. Agora, elas enfrentam uma ação de despejo movida pela Companhia de Habitação (Cohab) do Estado do Pará.
🔸 Falando em COP30… O embaixador André Corrêa do Lago, à frente da conferência em Belém, encomendou planos de descarbonização a cinco setores da economia brasileira: transportes, energia, agropecuária, agricultura e florestas. O Reset explica que a proposta é mobilizar o setor privado em torno das metas climáticas do Acordo de Paris, mesmo fora das negociações oficiais da conferência. Responsável por 16% das emissões brasileiras, o setor de transportes foi o primeiro a responder, com plano que prevê redução de 68% das emissões até 2050, liderado por uma coalizão de 50 organizações. Já o agro, responsável por 30% das emissões do país, apontou três entraves: financiamento, métricas e políticas públicas.
🔸 Entre 5.471 municípios brasileiros, Ipixuna, no Amazonas, teve o pior desempenho no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) de 2023, com apenas 0,1485. Também no Amazonas, Jutaí aparece como o quarto pior, com índice de 0,1802. Ambos foram classificados com desenvolvimento “crítico”. O estudo analisa emprego, saúde e educação e mostra que quase metade da população do Amazonas vive em cidades com baixo ou crítico desenvolvimento. O Amazonas Atual destaca que Manaus teve índice de 0,6555, o quinto pior entre as capitais. No outro extremo, municípios do Sudeste e Sul lideram o ranking, como Águas de São Pedro (SP) e Curitiba (PR).
📮 Outras histórias
O compositor Mestre Nadinho conduziu a Filarmônica 26 de Junho, de Poções (BA), por quase 60 anos, até seu falecimento em 1974. Já o trombonista e alfaiate Antonio Faca Doida foi presidente da banda nos anos 1980 e, hoje, seus três filhos trabalham na orquestra. A centenária filarmônica segue na rua Olímpio Rolim, no centro da cidade, como uma referência cultural de toda a região. O Site Coreto lembra a história da 26 de Junho e conversa com o maestro Antônio Leandro Fagundes Sarno, que trabalha num livro para homenagear e registrar o legado da banda. “Ao explorar essas memórias e arquivos, tornei-me plenamente consciente da urgência de preservar esse legado. A filarmônica não é apenas uma entidade artística: é um reflexo vivo da identidade coletiva da nossa cidade e da memória de seu povo”, afirma.
📌 Investigação
A Prefeitura de Porto Alegre ignorou orientações para preservar documentos históricos da cidade armazenados no prédio da antiga Secretaria de Obras (Smov), atingido pelas enchentes de 2024. Documentos obtidos pela Matinal confirmam o descaso. A reportagem revela que arquivistas alertaram em maio daquele ano que parte do acervo poderia ser salva, mas os documentos foram deixados em condições inadequadas, em exposição ao sol e armazenados sobre lonas no segundo andar. Apesar disso, o executivo informou falsamente a profissionais e ao Ministério Público que o acervo havia sido totalmente perdido. Parte dos arquivos foi descartada sem laudo técnico, contrariando normas legais. A situação levou o órgão a abrir um inquérito. A prefeitura, por sua vez, teria ignorado pedidos de informação. O prédio permanece vazio e em estado insalubre, envolvido em uma disputa judicial: a prefeitura quer leiloá-lo, mas arquitetos e pesquisadores tentam preservar sua fachada modernista.
🍂 Meio ambiente
Santuário para milhares de aves, o Parque Nacional das Ilhas dos Currais, no litoral do Paraná, é impactado pela poluição por plásticos. Mesmo fechado a turistas e sem pesca autorizada, o lixo chega à unidade de conservação por correntes marítimas, ondas e marés, como explica O Eco. “Vi escovas de dente, linhas de pesca e braços de bonecas em ninhos. Os animais acham que é decoração”, afirma o ornitólogo Pedro Scherer Neto. “Além disso, espécies que pescam mergulhando podem ficar presas em redes e morrer, como albatrozes, atobás e tartarugas.” Estima-se que 8 mil aves vivam e procriem nas Ilhas dos Currais, principalmente das espécies atobá-pardo, fragata e gaivota-do-mar.
📙 Cultura
Um dos mais importantes grupos relacionados ao estilo de dança da cultura hip hop, o Dança de Rua do Brasil, criado em Santos (SP), virou referência da dança urbana nos anos 1990 e 2000. Em 2007, por exemplo, o coletivo foi convidado para representar seu estilo na abertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro por simbolizar seu papel na memória, identidade, empoderamento e transformação social. O Juicy Santos resgata a história do Dança de Rua do Brasil, que segue ativo há mais de três décadas e acumula 27 prêmios em campeonatos nacionais, além de oficinas e projetos voltados para jovens em situação de vulnerabilidade social.
🎧 Podcast
Com o pedido do prefeito Eduardo Paes (PSD), para transformar o Rio de Janeiro em capital honorária do Brasil, foi aberta a discussão sobre o papel da cidade na história e identidade do país. O “Diálogos com a Inteligência”, produção do Canal Meio, conversa com o cientista político Guilherme Mello sobre o conceito de capital, os aspectos históricos da mudança do centro político do país do Rio de Janeiro para Brasília, na década de 1960, sobretudo em sua consolidação na ditadura militar, e os motivos para a solicitação de Paes. A concessão do título à cidade fluminense seria um primeiro passo para formalizar o reconhecimento de sua função complementar em relação a Brasília.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Embora seja um avanço para o combate e a visibilidade da violência de gênero, a Lei do Feminicídio ainda enfrenta desafios para garantir sua eficácia, depois de dez anos de sua promulgação, aponta a socióloga Rossana Marinho. Em entrevista ao Nós, Mulheres da Periferia, a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Piauí afirma que a estrutura machista e as desigualdades dificultam uma mudança mais rápida do cenário de feminicídios. “Ainda há uma visão muito patriarcal nas polícias e entre as autoridades que investigam.” Para Rossana, há também uma negligência institucional contra mulheres trans e lésbicas, que vão além da violência doméstica: “Muitas vezes, mulheres trans assassinadas são registradas como ‘homens’, ou caem nas cifras gerais de homicídio, sem nenhum recorte de identidade de gênero. Isso apaga as causas reais da violência. É um problema estrutural da segurança pública”.