A 'boiada do eucalipto' e as mulheres negras na diplomacia
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🔸 Uma lei que dispensa a licença ambiental para o plantio de eucaliptos para produção de madeira e papel foi sancionada em maio, em pleno feriado. A sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) causou surpresa entre grupos que negociavam a pauta junto ao governo. “É mais uma boiada, e das grandes, e com o aval do governo federal”, afirma o biólogo João de Deus Medeiros, representante de ONGs ambientalistas no Conselho Nacional do Meio Ambiente. A Agência Pública detalha a nova legislação e repercute com especialistas o impacto do que chama de “boiada do eucalipto”. Além de demandar o uso de agrotóxicos, o cultivo de eucalipto e pínus em grandes áreas causa danos aos recursos hídricos, agrava a erosão do solo e reduz a diversidade de espécies vegetais e animais. Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, destaca que a aprovação da lei foi influenciada por lobby das empresas do setor de silvicultura.
🔸 Mesmo com crimes ambientais ou trabalho escravo, propriedades rurais não poderão ser desapropriadas caso sejam consideradas produtivas. A proposta do deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi aprovada na Comissão de Agricultura da Câmara. Vai contra, porém, o que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre o tema – para não ser desapropriada, uma terra deve promover o uso adequado de recursos naturais, preservar o meio ambiente e cumprir a legislação trabalhista. O Eco explica que o texto do deputado passa ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e, se aprovado, seguirá para votação no Senado.
🔸 Em áudio: o projeto que quer modificiar o Código Penal para dificultar o aborto permitido em lei teve a votação adiada na Câmara ontem, mas deve retornar à pauta ainda nesta semana. O plenário foi palco de uma homenagem ao Movimento Pró-Vida, grupo que faz ações contra o aborto e é conhecido por disseminar desinformação sobre o tema. Na prática, a mudança no Código Penal criminalizaria o aborto legal acima de 22 semanas, o que faria com que meninas e mulheres vítimas de estupro fossem obrigadas a seguir com uma gestação. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, destrincha as ações de parlamentares para dificultar o acesso ao aborto legal – e mostra também a reação de 68 entidades, entre organizações feministas e órgãos de saúde. Juntos, enviaram uma carta a deputados e deputadas com o título: “Vocês querem que crianças sejam mães?”.
🔸 A 16ª operação policial do ano no Complexo da Maré deixou cinco mortos e quatro feridos ontem. O conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro amanheceu sob tiros, com blindados nas ruas e helicópteros. Avenida Brasil, Linha Amarela e Linha Vermelha, principais vias expressas nos arredores das comunidades, foram fechadas, e um ônibus foi incendiado. O Maré de Notícias informa que 44 escolas municipais e estaduais foram fechadas e ao menos três unidades de saúde interromperam o atendimento.
📮 Outras histórias
Tartarugas têm prioridade. No Rio Grande do Norte, uma praia proibiu o tráfego de carros para dar preferência às tartarugas que estão em processo reprodutivo na região. Também o tráfego de pessoas foi considerado prejudicial para os animais. A Saiba Mais conta que a recomendação partiu do Ministério Público Federal ao município de Senador Georgino Avelino, que fica a 43 km da capital potiguar. A prefeitura local informou que vai adotar medidas preventivas que incluem a instalação de placas visíveis ao público em todas as entradas de acesso à praia.
📌 Investigação
Após relatórios do NetLab, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, serem usados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, para notificar e multar a Meta em novembro de 2023, a empresa usou seus advogados para desqualificar os pesquisadores. A partir de documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Núcleo revela que a defesa da Meta tentou afirmar que o laboratório é um “terceiro parcial” que “nunca poderia produzir uma prova técnica neutra”. Os pesquisadores do NetLab mostraram que a plataforma não havia retirado do ar mais de 1.800 anúncios de golpes que usavam o nome do Desenrola (programa do governo para pessoas endividadas) mesmo após notificação judicial.
🍂 Meio ambiente
O desastre no Rio Grande do Sul confirma que racismo ambiental e especulação imobiliária caminham juntos. “As populações negras no Brasil são removidas de seus territórios pela especulação, porque as classes média e alta querem ocupar pelas vistas privilegiadas ou coisas do tipo. Assim, essa população é removida e estabelecida em lugares vulneráveis”, explica a socióloga Nina Fola. A revista Afirmativa destaca que, no período da crise no estado, o condomínio de luxo Lagos de São Gonçalo, em Pelotas, instalou um duto clandestino para drenar a água de três lagos internos e despejá-la a 80 metros de Passo dos Negros, bairro vizinho historicamente negro e fortemente impactado pelas enchentes. O caso foi levado ao Ministério Público estadual pela deputada federal Daiana Santos Ajaka (PCdoB).
📙 Cultura
“A gente vive em um país de terceiro mundo, Nordeste; segundo o Celso Furtado, é a periferia da periferia, e a gente sabe dos nossos problemas e questões diárias”, afirma a multiartista pernambucana Bell Puã. “A gente vê lugares que não têm saneamento básico, mas têm passinho, têm a alegria do passinho, porque é uma forma muito inteligente de suportar os dias”, completa. Poetisa, slammer, escritora e historiadora, ela já colaborou com diversos cantores pernambucanos e lançou recentemente seu primeiro EP, “Jogo de Cintura”. À revista O Grito! Bell fala sobre as influências e intenções artísticas com o novo trabalho, em que aborda questões sobre produtividade e comparação no capitalismo.
🎧 Podcast
Com a mineração se acentuando no nordeste do Pará, comunidades tradicionais são impactadas pela contaminação dos igarapés com rejeitos tóxicos de bauxita, árvores sem frutos e rios sem peixes. O “LatitudeCast”, produção da Amazônia Latitude, conversa com dois dos oito autores do livro “Vidas em Confluência: Cotidiano e Luta em Comunidades Tradicionais de Abaetetuba e Barcarena”. Eles discutem como a mineração tem destruído o meio ambiente e a saúde dos moradores desses territórios. “É diarreia, coceira no corpo, cabelo caindo e tu não sabes por quê. Ainda não teve um estudo epidemiológico. No que foi feito até agora, as empresas disseram que não serve. É por isso que as empresas estão demorando para contratar a auditoria, que é para medir os impactos”, afirma Mário do Espírito Santo, da Terra Quilombola Gibiries de São Lourenço, em Barcarena.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Apesar de ter sido aconselhada “a não tentar a carreira diplomática, devido a sua cor”, em 2 de setembro de 1980, Mônica de Menezes Campos se tornou a primeira diplomata negra do país. O fato foi amplamente utilizado pelo governo militar para reforçar uma suposta “democracia racial”. No entanto, até hoje a carreira é majoritariamente formada por homens brancos. O Nós, Mulheres da Periferia descreve como mulheres negras se inspiram em Mônica de Menezes e buscam mudar esse cenário. Ela dá nome, por exemplo, ao coletivo Mentoria Mônica de Menezes Campos, que orienta gratuitamente pessoas negras que desejam ingressar na carreira diplomática. O grupo foi criado pela soteropolitana Rafaela Seixas, após se formar na turma de diplomatas do Instituto Rio Branco.