Os 60 anos do golpe e como abordar o tema em sala de aula
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Nos 60 anos do golpe de 1964, novos documentos revelam como o maior órgão de espionagem da ditadura, o Serviço Nacional de Informações (SNI), atuou mesmo depois do fim da ditadura militar. Mais de 300 mil brasileiros foram fichados pelo SNI durante o regime, muitos deles presos, torturados e mortos. Na série de reportagens em memória do golpe, a Agência Pública mergulha no acervo do SNI, que criou um estudo sigiloso, ainda no início de 1985, sobre a atuação de agências de inteligência em democracias e em regimes totalitários. O estudo reflete sobre o limite entre a segurança do Estado e a privacidade dos cidadãos, um dilema frente à transição democrática brasileira, e mostra que o SNI buscou preservar as atividades mesmo após o fim da ditadura, por meio, por exemplo, de lobby no Congresso, tentando ativamente influenciar parlamentares e participar de debates na Assembleia Nacional Constituinte.
🔸 O veto de Lula a atos relativos aos 60 anos do golpe coloca em risco não o passado, mas o futuro. É o que dizem especialistas ao Congresso em Foco. A afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que está “mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64” veio ainda no final de fevereiro, seguida mais tarde da orientação para que ministérios não realizassem atos em memória. “Todos temos passado. Mas não estamos falando do passado, e sim do futuro. É preciso analisar os erros e acertos para construir o futuro”, critica Diva Santana, ex-integrante da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Segundo ela, há ossadas recuperadas que ainda não foram identificadas. A comissão foi desativada no governo Bolsonaro. Embora Lula tenha dito, durante a campanha eleitoral de 2022, que retomaria o trabalho no terceiro mandato, ainda não cumpriu a promessa.
🔸 Depois do veto, os ministros foram discretos nas redes sociais ao comentar os 60 anos do golpe. Dos 38 integrantes da Esplanada, como informa a CartaCapital, apenas sete se manifestaram. A começar pelo chefe da Secom, Paulo Pimenta, que escreveu no X: “Defender a democracia é um desafio que se renova todos os dias”. Já a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, lembrou que a ditadura representou o “genocídio de milhares de indígenas”. Dilma Rousseff defendeu “manter a memória e a verdade histórica” para evitar que a tragédia se repita “como quase ocorreu recentemente, em 8 de Janeiro de 2023″.
🔸 Enquanto isso, nos grupos de extrema direita… Conteúdos falsos sobre a ditadura são reciclados para exaltar o início do golpe. A tese de que não houve ditadura, mas um regime para frear o “perigo comunista” voltou às redes sociais, como apurou a Lupa, que conversa com especialistas para desmentir narrativas desinformativas. Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta ressalta: “Durante a ditadura se matou muito, a polícia matou muitas pessoas, a exemplo dos esquadrões da morte. Houve muitos assassinatos de pessoas que eram suspeitas, sem nenhuma prova, sem nenhum julgamento, enfim a violência atingiu muito além o que seria comunista ou vagabundo”.
🔸 A propósito: a mentira era uma ferramenta dos próprios militares antes e depois do golpe, como forma de justificar a ditadura. O Aos Fatos reúne as principais mentiras em seis eixos temáticos, como chamar o golpe de “revolução”, inflar a “ameaça comunista’’ e camuflar mortes. Como afirma Lucas Pedretti, membro da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia: “O que aconteceu em 1964 corresponde a todas as definições clássicas da ciência política, do direito, da história de um golpe de Estado”.
📮 Outras histórias
Nas periferias da Grande São Paulo, a ditadura também gerou impactos diretamente ligados aos territórios. Com a repressão do movimento operário, dos sindicatos e lideranças comunitárias, os bairros periféricos foram fortemente marcados pela desigualdade durante o período e pela intensa segregação da população pobre. A Agência Mural detalha como as áreas mais afastadas do centro de São Paulo foram utilizadas para encobrir valas clandestinas para enterrar vítimas de tortura. Além disso, a reportagem especial conta como a Comissão Nacional da Verdade trouxe à tona histórias sobre as consequências da ditadura nas periferias e sobre a resistência dos movimentos democráticos nestas regiões.
📌 Investigação
Em 448 cidades do país, todas as vítimas da polícia em 2022 eram negras. De 5.570 municípios no país, foram registradas mortes causadas por agentes de segurança em 1.117. Em 771 destes, houve pelo menos uma vítima negra. Os dados são de um levantamento exclusivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, feito a pedido da Alma Preta. Os maiores indicadores estão nas regiões Norte e Nordeste. Considerando apenas as 448 cidades mencionadas, as mortes “em decorrência de intervenção policial” foram mais numerosas nos estados da Bahia, do Pará e de Pernambuco, respectivamente.
🍂 Meio ambiente
Entre 2022 e 2023, o Piauí autorizou o desmatamento de 78,6 mil hectares de vegetação nativa. Quase 43 mil deles foram para apenas dez propriedades. Com a maior autorização concedida pelo governo, a Fazenda Emaflor está localizada em Baixa Grande do Ribeiro e é fornecedora de soja da Bunge. Segundo a Repórter Brasil, ao todo, foram 99 permissões concedidas no período, sendo 59 no Cerrado, onde o desmatamento atingiu níveis recordes no ano passado. O Ministério do Meio Ambiente estima que metade da devastação do bioma tenha ocorrido com autorização, mas não há um levantamento preciso dessa proporção devido à falta de transparência dos estados e ao compartilhamento incompleto de informações entre órgãos estaduais e o governo federal.
📙 Cultura
Patrimônio Histórico, Cultural e Imaterial de Sergipe, o grupo Parafusos surgiu no município de Lagarto em 1897 e é caracterizado por pessoas com rosto pintado de branco, vestidas com anáguas da mesma cor, sandálias e um chapéu de ráfia em formato de cone. Os membros rodopiam ao som de sanfonas, como narra a Cajueira, na estreia da série “Tamborim”. “A origem vem dos negros escravizados que viviam na nossa região. Nossa cidade foi uma rota de fuga. Temos quatro comunidades quilombolas lá”, afirma a Mestra Maria Ione.
🎧 Podcast
Entre nomes e codinomes utilizados por guerrilheiros durante a ditadura, estava o de Sonia Maria Sampaio Alem. Este não era o nome real da militante morta em 1972, mas sim o da mãe de Valéria Alem de Biazi, que ouviu essa notícia aos 5 anos de idade. A memória de alguém ter usado o nome da mãe ficou guardada e desenvolveu um fascínio pelo período. No “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, Valéria conta como recobrou o interesse por esse caso, descobriu que a militante da Ação Libertadora Nacional era Ana Maria Nacinovic Corrêa e passou a juntar os pedaços dessa história.
🧑🏽🏫 Educação
“A educação em direitos humanos é indispensável como instrumento de educação para a democracia. Isso porque atua como componente pedagógico que influencia na construção e na consolidação da própria democracia”, afirma Erasto Fortes, coordenador-geral de Políticas Educacionais em Direitos Humanos do Ministério da Educação, sobre a necessidade de abordar a ditadura militar e a questão dos direitos humanos no ensino básico. O Lunetas explica como levar o tema para a sala de aula, a partir de entrevistas com especialistas e dicas de conteúdo sobre o período.