Os posts de brasileiros usados para treinar IA e o analfabetismo na Bahia
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 A Meta não comunicou aos brasileiros que suas publicações no Instagram e no Facebook seriam usadas para alimentar modelos de inteligência artificial. O Aos Fatos questionou a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para saber se a atitude da big tech não fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Em resposta, o órgão informou que vai questionar a big tech sobre a falta de transparência e destacou que “é essencial um claro aviso aos usuários da plataforma, para que possam escolher de maneira livre e informada o que fazer”. Para Bianca Kremer, professora de direito digital, a Meta feriu a LGPD. “Grandes empresas como a Meta têm encontrado um solo fértil no Brasil para o livre desenvolvimento dos seus interesses de mercado sem medo de sanções”, afirma.
🔸 Se as decisões sobre o corpo feminino estão na pauta dos parlamentares, outros assuntos como a saúde, a economia e a educação das mulheres foram negligenciados ao longo de 2023. No primeiro ano da atual legislatura, circularam no Congresso apenas 13 propostas legislativas com foco na saúde feminina, seis voltadas para economia e uma sobre o impacto das mudanças climáticas com recorte de gênero. Os dados são do Elas no Congresso, projeto do Instituto AzMina que acompanha a atuação legislativa sobre direitos das meninas, mulheres e pessoas LGBTQIAP+. Em 2023, a maioria das propostas se concentrou em temas recorrentes como violência de gênero, com 282 projetos. Embora o mote seja relevante, muitos dos textos são redundantes e punitivistas. Doutora em ciência política, Alexandra Lourenço explica que o viés reflete a baixa participação de mulheres na formação do Estado brasileiro, que ainda responde a demandas dos movimentos feministas dos anos 1970.
🔸 Quase 50% dos casos de violência contra meninas são agressões de teor sexual. Em meio ao debate sobre o PL que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, o Atlas da Violência destacou que a violência sexual é a mais frequente entre meninas de 10 a 14 anos. O Notícia Preta informa ainda que, quando se olha para a faixa etária entre bebês e crianças de até 9 anos, esse tipo de agressão representa 30,4% dos casos. O levantamento usa dados de 2022, ano em que foram registrados 221.240 casos de violência contra meninas e mulheres – o equivalente a uma agressão a cada dois minutos.
🔸 Hospitais que não cumprem a ordem que garante o aborto legal após 22 semanas foram intimados ontem pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio, o magistrado suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibiu o uso de assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. A CartaCapital explica que os hospitais intimados pelo ministro têm 48 horas para comprovar o cumprimento de sua decisão.
🔸 O STF, aliás, retoma amanhã o julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo próprio no país. A votação foi interrompida em março, após pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O placar em está em 5 a 3 pela descriminalização do porte de maconha e em 6 a 0 pela necessidade de definição de parâmetros objetivos para diferenciar usuário de traficante. O Jota retoma o que já foi discutido na Corte e explica o que está em jogo com o julgamento.
📮 Outras histórias
Júlia e Juliana Reis são irmãs e acrobatas. As duas começaram a treinar os movimentos da ginástica acrobática desde os 5 e 6 anos de idade, respectivamente. Hoje, Júlia tem 24 anos e é artista circense. Juliana, 25, é professora de ginástica. Na infância, as duas atravessavam Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, para chegar até o ginásio onde treinavam horas a fio. A Periferia em Movimento narra a trajetória das irmãs guarulhenses que batalharam para chegar ao Mundial de 2014, em Paris, e aos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em 2015. O “patrocínio” foi garantido pelo trabalho delas mesmas – muitas vezes, iam até a avenida Paulista ou paravam em pontos de ônibus de Guarulhos para fazer acrobacias e levantar dinheiro para as viagens.
📌 Investigação
Com a adoção sistemática de autocensura na ditadura, o Grupo Folha contratou agentes da repressão como jornalistas ao mesmo tempo em que praticava violações trabalhistas, incluindo a demissão de profissionais que sofreram perseguição política no período. A partir de pesquisa conduzida por especialistas de diversas universidades, a Ponte apurou que a extinta “Folha da Tarde”, publicação da empresa mais enfática no apoio ao regime, foi entregue ao comando de Antônio Aggio Junior. Anos antes, ele ocupava um cargo na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e guardava ligações com o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops).
🍂 Meio ambiente
“As ondas de calor provocam 50 vezes mais mortes do que enchentes. Estamos tendo recordes de onda de calor em todo mundo”, diz o climatologista Carlos Nobre, referência em estudos sobre clima e aquecimento global. O Projeto Preserva ressalta que, em maio, a temperatura média global atingiu 1,52°C acima dos níveis pré-industriais, segundo o Serviço de Monitoramento das Alterações Climáticas do programa Copernicus. Foi o 12º mês consecutivo com recordes mensais na temperatura do planeta. “Precisamos considerar que há limites para o uso da natureza, limites para o crescimento econômico. Precisamos superar o fetiche do crescimento do PIB”, diz o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alysson Barbieri, doutor em Planejamento Regional e Urbano e coordenador de Cidades na Rede Clima.
📙 Cultura
“Povos indígenas sempre são um problema para a metrópole ou o centro”, afirma o jornalista e quadrinista Joe Sacco. Nascido em Malta e com residência nos Estados Unidos, Sacco publicou o livro “Palestina”, em 1993, que se tornou uma das principais referências sobre jornalismo em quadrinhos. À Agência Pública o autor fala sobre o atual massacre de Israel contra palestinos em Gaza. Nos últimos oito meses, ele se dividiu entre terminar um livro sobre um conflito violento que aconteceu na Índia em 2013 e desenhar comentários sobre a Palestina em uma coluna intitulada “A Guerra em Gaza”, para o “The Comics Journal”, publicada desde o fim de janeiro. Na entrevista, Sacco aborda como os povos originários de diversas localidades são tratados pelo imperialismo.
🎧 Podcast
Conhecido pela atuação na Central Única de Favelas (Cufa), o ativista e artista Preto Zezé cresceu na Comunidade das Quadras, em Fortaleza (CE), e hoje transita por diferentes espaços de discussão política. N’As Cunhãs, ele afirma que há um discurso dúbio da esquerda em relação à segurança pública, com pouco investimento em investigação e inteligência para solucionar casos, e defende a necessidade de políticas que afetem diretamente a vida das populações mais vulneráveis. “As empresas reclamam de segurança jurídica, mas a população também não tem segurança jurídica nenhuma. Se um programa social de uma gestão presta, e o criador perde a eleição, o próximo destrói”, explica.
🧑🏽🏫 Educação
Com 14% da população sem saber ler e escrever, a taxa de analfabetismo no Nordeste é o dobro da média nacional. Na Bahia, está o maior número absoluto de analfabetos do país, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Revista Afirmativa, as disparidades regionais também estão somadas às raciais. Estados do Nordeste onde a maioria da população é negra ocupam os piores índices da taxa de escolarização e entre números de alfabetizados. Já no Sul – cuja população branca chega a 72,6% – estão os melhores números em ambos os dados. As informações revelam sobretudo as consequências históricas do desrespeito ao direito da educação para a população negra do país.