A vitória do centrão nas eleições e o acordo do desastre de Mariana
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🔸 Ricardo Nunes (MDB) foi reeleito prefeito de São Paulo com 59,35% dos votos válidos. Já Guilherme Boulos (PSOL) obteve 40,65%. Nunes teve seu primeiro mandato de vereador em 2012. No cargo de prefeito desde maio de 2021, ele alcançou ontem sua primeira vitória como líder de chapa. Inicialmente eleito vice-prefeito em 2020 ao lado de Bruno Covas (PSDB), ele assumiu a gestão municipal depois da morte do tucano, vítima de câncer. A CartaCapital lembra que Nunes enfrentou suspeitas de irregularidades, algumas das quais ligadas ao seu período de vereador. Na campanha de 2024, tentou mostrar ser um prefeito que entregou obras e trabalhou para colar em Boulos a imagem de um candidato extremista e inexperiente.
🔸 Ao longo da campanha, Nunes mentiu ao negar a existência de um boletim de ocorrência que sua mulher, Regina Carnovale, registrou contra ele em 2011 por violência doméstica e ameaça. Ele também exagerou o número de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) inauguradas em sua gestão. O Aos Fatos compila os principais argumentos desinformativos usados pelo prefeito reeleito.
🔸 Desinformação, aliás, foi uma marca das eleições em SP. Ontem, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, associou Guilherme Boulos (PSOL) ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Levantamento da Lupa mostra o tamanho da repercussão nas redes e aplicativos de mensagens. O conteúdo circulou em grupos de WhatsApp e Telegram e alcançou até 176 mil pessoas, embora não existam provas de conexão entre Boulos e a facção criminosa. Boulos anunciou que vai processar o governador e o candidato Ricardo Nunes.
🔸 A partir de 2025, o PSD, de Gilberto Kassab, será o partido com mais municípios sob seu comando. A sigla venceu em 887 cidades. O partido saiu vitorioso em cinco das 26 capitais do Brasil, informa o Metrópoles. Contando com o primeiro turno, o MDB conquistou seis capitais. Já o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, venceu em quatros capitais, e o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, venceu em apenas uma. O Jota lista os vencedores do segundo turno a partir de seu espectro político.
🔸 Fortaleza foi a única capital a eleger um prefeito do PT. Evandro Leitão venceu com 50,38% dos votos numa disputa acirrada contra André Fernandes (PL), que obteve 49,62%. A vitória em Fortaleza tem valor simbólico para o PT: a cidade foi a primeira capital onde o partido elegeu um representante, em 1985, com Maria Luíza Fontenele. De modo mais amplo, em 2024 o campo alinhado à esquerda teve o pior desempenho em capitais desde 2012. O Nexo explica que a performance ruim vem desde a Operação Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff. “Tem esse fenômeno novo, do trabalhador de aplicativo, e existe um desafio da esquerda em chegar nesse trabalhador, nesse cara que se vê como empreendedor. A esquerda precisa entender melhor esse trabalhador, que é diferente do trabalhador clássico, e precisa achar um jeito melhor de chegar nessas pessoas”, afirma o cientista político Fábio Kerche.
🔸 Em Belém, a vitória de Igor Normando (MDB) reforça a oligarquia da família Barbalho na política paraense. Primo do governador do Pará, Helder Barbalho, ele obteve 56,36% dos votos, com o apoio de partidos de diferentes espectros – de PT, PSOL e PCdoB ao PRTB, sigla de Pablo Marçal em São Paulo. A Alma Preta perfila o candidato, conta que sua campanha foi marcada pelo boicote ao atual prefeito e candidato derrotado à reeleição, Edmilson Rodrigues (PSOL) e lembra que Normando estará à frente de Belém durante a COP 30.
🔸 Em Manaus, David Almeida (Avante) foi reeleito com 54,59% dos votos. Depois da vitória, como conta o Amazonas Atual, ele prometeu “procurar todos aqueles que querem ajudar”, inclusive seu adversário, o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL), que recebeu 45,41% dos votos. “Vamos baixar as armas, pacificar a cidade. Eu sou o prefeito de quem pensa igual a mim e de quem pensa diferente de mim”, afirmou Almeida. Na cidade mais indígena do país, nem ele, nem o oponente apresentaram propostas para os povos originários no segundo turno, segundo a InfoAmazônia. No plano de governo elaborado pelo prefeito reeleito, a palavra “indígena” nem sequer foi citada.
🔸 Reeleito em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB) adotou um discurso conciliador. Ele recebeu 61,53% dos votos, contra 38,47% de Maria do Rosário (PT). “Para nós, não tem terceiro turno. Vamos unir a cidade”, prometeu. O Sul21 reúne as falas do prefeito logo após a vitória – incluindo promessas com relação à proteção contra enchentes. Melo administrou a capital do Rio Grande do Sul em meio ao desastre climático em maio deste ano.
🔸 Com 57,64% dos votos, Eduardo Pimentel (PSD) derrotou Cristina Graeml (PMB) em Curitiba. Ele é herdeiro de duas famílias poderosas em Curitiba. O Plural destrincha a história do novo prefeito da capital do Paraná que, embora tenha sido candidato de cabeça de chapa pela primeira vez, sempre esteve envolvido com política. É neto de Paulo Pimentel, governador do Paraná nos anos 1960 e um dos principais nomes da Arena, partido que apoiava a ditadura militar. Os Pimental eram proprietários de jornais importantes no estado, além de emissoras de TV. Já seu pai, Claudio Slaviero, vem de uma família com um complexo hoteleiro e diversas concessionárias de carros.
📮 Outras histórias
Reeleito em 2024, o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (JHC), é alvo de críticas por cortes no orçamento de políticas sociais. O Ministério Público de Alagoas, o Ministério Público Federal e as Defensorias Públicas alertam que o orçamento de 2025 reduzia de forma drástica as verbas para assistência social. Populações vulneráveis são as principais afetadas, segundo os órgãos. A Mídia Caeté informa que o acolhimento de pessoas em situação de rua, a proteção de pessoas com deficiência e o apoio a crianças e adolescentes são as áreas mais prejudicadas pelo orçamento. O Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente teve redução de 74%.
📌 Investigação
Mentirosa, louca, despreparada e fraca foram adjetivos frequentemente usados para ofender candidatas no segundo turno. As mulheres nas eleições de 2024 foram alvo de 68% dos discursos de ódio nas redes – elas formavam 12% dos candidatos nessa fase da eleição. A revista AzMina analisou comentários feitos em debates transmitidos pelo YouTube em cinco cidades: Londrina (PR), Curitiba (PR), Campo Grande (MS), Porto Alegre (RS), Natal (RN) e Porto Velho (RO). Os dados coletados nas mensagens mostraram que 36,2% dos ataques às mulheres estão relacionados à inferiorização. Em seguida, vem a misoginia, com 36,1%. “Estou recebendo ataques apenas pelo fato de ser mulher. São ataques machistas, como os que dizem que ‘não raspo sovaco’, junto de ataques criminosos que chegam ao ponto de incentivar minha morte”, conta Natália Bonavides (PT-RN), deputada federal que disputou a prefeitura de Natal – e perdeu para Paulinho Freire (União Brasil).
🍂 Meio ambiente
O governo federal anunciou um acordo de R$ 170 bilhões para a reparação dos danos causados pelo rompimento, em 2015, da Barragem do Fundão da Samarco, controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP. A tragédia em Mariana (MG) resultou na morte de 19 pessoas, na devastação de comunidades e despejou 60 bilhões de litros de rejeitos no rio Doce, atingindo o litoral do Espírito Santo e da Bahia. O Projeto Preserva explica que o acordo inclui R$ 132 bilhões em compensações – R$ 100 bilhões são destinados a recursos públicos e R$ 32 bilhões para indenizações a pessoas atingidas. O anúncio ocorreu no fim da semana passada, quando a Justiça da Inglaterra começou a analisar o caso. “Provavelmente [o acordo] vai desidratar a ação na Inglaterra. Vamos ver como que o Tribunal vai receber isso e qual vai ser o impacto político, inclusive, da pressão internacional dessa ação”, diz Thiago Alves, integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
📙 Cultura
No lugar da tinta, cinzas de queimadas e lama de enchentes. É este o material que o artista e ativista Mundano usa para denunciar a gigante Cargill, uma das corporações responsáveis pelo avanço do agronegócio na Amazônia e no Cerrado. Ele é autor do mural “Keep Your Promise”, de 30 metros de altura e 48 metros de largura. A Conexão Planeta conta que a obra, a duas quadras da avenida Paulista, retrata a indígena Alessandra Korap Munduruku, que tem cobrado a realização da promessa feita pela Cargill em 2023: eliminar até 2025 produtos advindos do desmatamento de sua cadeia de fornecimento. “Eu vejo essa pintura como um pedido de basta em toda destruição que empresas como a Cargill insistem em fazer pelo mundo todo”, diz Alessandra Munduruku.
🎧 Podcast
Em busca de uma vida melhor, pessoas se arriscam na travessia de uma floresta entre a Colômbia e o Panamá, o Darién. Rumo aos Estados Unidos, enfrentam desde doenças tropicais, fome e sede até sequestros e afogamentos. O caminho é percorrido a pé e dura no mínimo cinco dias. Só em 2023, mais de 500 mil pessoas fizeram o trajeto – e 130 mil eram crianças. O centésimo episódio do “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, mergulha na arriscada travessia. “No caminho, a gente cruzou inclusive com a ossada de uma mulher que tinha quebrado o pé. E além disso, a gente já tinha visto um outro corpo dentro de uma barraca (...). As pessoas falavam isso, a gente escutava muito isso, que no Darién não resgatavam nem vivos, nem mortos”, relata Fabrício Brambatti, que registrou cenas do percurso para o documentário “El Maldito Darién”.
✊🏽 Direitos humanos
Na Amazônia, movimentos sociais em luta por terras denunciam uma ação violenta da polícia. No dia 11 de outubro, às 4h, cerca de 18 trabalhadores estavam dormindo em redes no galpão coletivo da Fazenda Mutamba, em Marabá (PA), quando foram surpreendidos por gritos e rajadas de tiros de policiais, em meio à escuridão. Segundo a Amazônia Latitude, duas pessoas foram mortas e outras quatro presas, além de diversos feridos na operação. Em nota, sete instituições que atuam na Amazônia – como a Comissão Pastoral da Terra, o Instituto Zé Cláudio e Maria e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) – afirmam que a ação foi desproporcional. “A nota é totalmente vazia e falaciosa, não condiz com a verdade”, replicou Antonio Mororó, delegado responsável pela operação. A Assembleia Legislativa do Pará solicitou que fossem tomadas providências para assegurar uma investigação imparcial sobre a disputa entre fazendeiros e trabalhadores rurais, evitando violações aos direitos humanos.